Bruno R. Sales
Fotografia: imagem captada através
de máquinas projetadas para esse fim. Essa é a mais simplista definição do que
é uma foto dada por este que escreve. Entretanto, assim o fiz para ter com o
quê começar esse texto. No desenrolar dessas letras espero falar mais
profundamente sobre o tema.
A mim já parece muito previsível
iniciar com a etimologia da palavra – dada a importância que dou a esse
aspecto, não poderia ser diferente –, desse modo, o termo fotografia tem origem
grega: φῶς [fós], cuja tradução é ‘luz’ e γραφw [grafó] referindo-se ao ato de
fixar por escrito. Numa ligeira junção, fotografia é a fixação da luz em forma
visível. Para uma exposição mais agradável é justo ver cada parte
separadamente, antes de uni-las.
Primeiro,
o que é a luz? Não vou me ater aos princípios puramente físicos da resposta à
questão, mas, de modo especial, aos filosóficos. Partindo de Descartes, “a luz não é outra
coisa que certo movimento, ou uma ação muito rápida e muito viva” [1]. Em seguida, o que
significa dizer ‘fixar a luz’, senão que, a foto, aos moldes de nossos olhos, capta
a luz visível das coisas e as congela numa representação do tempo e espaço. Kant
classificou o tempo e o espaço como categorias a priori, isso significa
que eles são anteriores a qualquer experiência dos sentidos e, em função disso,
indispensáveis para tal coisa. Se eu puder trocar em miúdos – e espero que sem
engano – o tempo e o espaço kantianos garantem à mente humana certo conceito de
realidade. Tudo que é experiência depende disso, ou melhor, tudo o que ‘é’ está
dependente desse conceito. A fotografia, então, captura, numa imagem, a
realidade enquadrada nos instrumentos próprios para isso; não somente, ela
capta o movimento e congela-o. Entretanto, incentiva outros, em geral
movimentos do espírito [no sentido filosófico].
Walter Benjamin atesta que:
Percebemos, em geral, o movimento de um homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que ele dá um passo. A fotografia nos mostra essa atitude... somente a fotografia revela esse inconsciente ótico [2].
Luz, espaço e tempo unidos formam o
instante. Pergunto: o que se contempla numa fotografia? Um instante, que ao ser
observado em sua captura pode-se refletir por muito tempo. Guardar o instante é
o que pretendemos quando fotografamos. Captar o tempo, prender o espaço e
perpetuar o sentimento do momento vivido. É por essa razão que nossas emoções
agitam o espírito ao ver determinada foto.
Na fotografia, os instantes
capturados podem proceder de fontes diferentes: pessoas, paisagens, animais,
obras de arte. Seja qual for sua origem, as fotos, todas elas de algum modo e
em graus variados, inquietam o coração do sujeito. Por exemplo, se
considerarmos a foto de alguém por quem se nutre bons sentimentos, sua imagem
traz ao espírito a nostalgia de tudo que viveu-se com ela, mas, de igual modo,
traz questionamentos de como ela está, como vive, etc. De outro modo, se tomar
a foto de uma escultura a sua beleza poderá encantar, e outras questões, de
natureza diversa das expostas acima, surgem: qual foi a inspiração do artista?
Que técnica utilizou? O que sua figura representa? E por fim, corre-se ainda o
risco de retomar o estado nostálgico, pois na beleza da escultura, pode-se
facilmente imaginar o que certa pessoa, de quem se lembra no momento, acharia
daquela imagem.
A vida é hic et nunc [aqui e agora], e
a fotografia não capta isso, pois se trata de experiência, vivência, ou seja, é
o “estar ali”. Contudo, ela – a foto – produz um novo aqui e agora, que se
realiza numa nova experiência vivida subjetivamente. Sendo o instante a
contemplação da foto, sabe-se que ele é um passado, mas, como recorda o poeta,
“o passado é o presente na lembrança” [3]. E essa lembrança é o novo
e nostálgico hic et nunc vivenciado com a imagem.
[1] DESCARTES, René.
A dióptrica. In. . Discurso
do método e ensaios. São Paulo, Editora UNESP, 2018. p. 130
[2] BENJAMIN, Walter.
Pequena história da fotografia. In.
. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas vol. I.
São Paulo, Brasiliense, 1994. p. 94.
[3] PESSOA, Fernando.
Obra poética de Fernando Pessoa: volume I. Rio de Janeiro, Nova
fronteira, 2016. E-book kindle.