segunda-feira, 30 de outubro de 2023

CONSIDERAÇÃO SOBRE MICHAEL FOUCAULT: DISCIPLINA COMO FORMA DE PODER OU PODER DSCIPLINAR

 


Bruno R. Sales 

Fazendo uma genealogia do poder, o filósofo observou os diversos modos de manutenção da submissão dos indivíduos na sociedade, através de um exame histórico, utilizando um método ascendente, partindo da base, analisando a maneira como os mecanismos de controle puderam funcionar, e ainda, como tais mecanismos, em determinado momento, relacionados numa gama de factos, viram-se numa conjuntura economicamente vantajosa e politicamente útil.

O filósofo conclui que é provável que em certa época tenha surgido uma ideologia da educação, contudo, a base de tal coisa não seria necessariamente uma ideia, é muito menos e muito mais do isso. São instrumentos reais de formação e de acumulação do saber: métodos de observação, técnicas de registro, procedimentos de inquérito e de pesquisa, aparelhos de verificação. Dessa maneira, é possível perceber que o poder, para exercer-se nestes mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e por em circulação um saber, ou melhor, aparelhos de saber que não são construções ideológicas.

Foucault propõe um estudo sobre o poder fora dos limites do Leviatã hobbesiano, longe dos limites dados pela jurídica e pelos estamentos. Segundo ele, é preciso estuda-lo a partir das técnicas e táticas de dominação, isto é, ter como partida a linha metodológica seguida por ele. Percorrendo, assim, os limites deste método de estudo, o filósofo se depara com um fato histórico que pode ajudar a compreender os problemas colocados por ele mesmo, e este é o nascimento da teoria jurídico-política da soberania, o direito jurídico e político do poder sobre o indivíduo.

            Então, analisando os modos de governos dos séculos XVI ao XVII, ele percebe que, na sociedade feudal os problemas dados à teoria jurídica e política da soberania referiam-se de forma direta à mecânica geral do poder, ou seja, sua maneira de lidar com os problemas recobria a totalidade do corpo social, pois o poder era exercido de maneira essencial na relação entre o soberano e os súditos. Contudo, nos séculos XVII e XVIII, ocorreu uma mudança importante, o surgimento de uma nova mecânica de poder, com procedimentos específicos, instrumentos totalmente novos e aparelhos bastante diferentes.

            Este novo mecanismo se apoia mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos, tornando-se, portanto, um meio que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riquezas. Este mecanismo é exercido e mantido pela contínua vigilância [pan-óptico], ao invés da descontinuidade por meio de taxas e obrigações distribuídas de tempos em tempos, de modo que, trata-se muito mais do que um sistema minucioso de coerções materiais do que a existência física de um soberano. Por isso, seu princípio é uma nova economia do poder, na qual se deve propiciar um crescimento das forças dominadas e o aumento da força e eficácia de quem as domina.

            Assim, a teoria da soberania estava vinculada muito mais com a terra e seus produtos, de modo que, se referia a apropriação pelo poder dos bens e não trabalho, o que permitia transcrever em termos jurídicos emitidos descontinuamente tal apropriação, sem recorrer a algum sistema de vigilância permanente, criando nesse ponto um calcanhar de Aquiles na sua estrutura.

            No entanto, o novo tipo de poder não está circunscrito em termos da soberania, ele é um instrumento fundamental para a constituição, principalmente do capitalismo industrial e do tipo de sociedade a qual corresponde, é um poder alheio à forma de soberania, e o qual o Foucault chamou de poder disciplinar.

            Este novo poder deveria usurpar o lugar da soberania, porém, ela continuou existindo, não somente como ideologia, mas também como organizadora dos códigos jurídicos nascidos no século XIX. O que aconteceu então foi uma relação entre os dois pontos, de forma que, os sistemas jurídicos permitiram uma democratização da soberania, através da constituição de um direito público articulado com a soberania coletiva, no exato momento em que esta democratização fixava-se profundamente, através dos mecanismos de coerção disciplinar.

A partir do momento em que as coações disciplinares tinham que funcionar como mecanismos de dominação e, ao mesmo tempo, se camuflar enquanto exercício efetivo de poder era preciso que a teoria da soberania estivesse presente no aparelho jurídico e fosse reativada pelos códigos. Temos, portanto, nas sociedades modernas, a partir do século XIX até hoje, por um lado, uma legislação, um discurso e uma organização do direito público articulados em torno do principio do corpo social e da delegação de poder; e por outro, um sistema minucioso de coerções disciplinares que garanta efetivamente a coesão deste mesmo corpo social. Ora, este sistema disciplinar não pode absolutamente ser transcrito no interior do direito que é, no entanto, o seu complemento necessário.

            Deste modo, é dentro dos limites da soberania e da disciplina que se dá o exercício do poder, porém, estes limites não são idênticos, ambas exercem jogos de poderes diferentes, pois uma se dá pelo direito público da soberania e o mecanismo poliformo da disciplina. A disciplina porta um discurso que não pode ser o de direito, pois, seu discurso é alheio ao da lei e da regra, no que toca ao efeito da vontade soberana. Seu discurso é o da regra natural, assim sendo o da norma, com a definição de códigos que não serão os da lei, mas o da normalização, de forma que se referem a um horizonte teórico que não pode ser baseado no discurso de direito, mas no domínio das ciências humanas. Mas mesmo estas diferenças não impedem que estes se relacionem, e que por meio desse relacionamento submetam os indivíduos.

            

           

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