Bruno R. Sales
O ser humano é o animal dos
conceitos. Mas nenhuma abstração conceitual lhe é suficiente, pois, tudo lhe
escapa em determinado limite. Pascal já via essa limitação ao colocar o homem
como um caniço pensante [1], isto é, de natureza
frágil e pensamento de alcance finito. A humanidade poderá unir todos os
conceitos que formularam sobre qualquer coisa, e esse maciço bloco conceitual,
ainda estará incompleto. Ao intelecto sempre escapa algo.
Com o conceito de música não é
diferente. Muitos pensadores, filósofos e compositores deram fórmulas ao que
ela pode ser, porém, no fim de tudo o que foi dito, pouco ou nada aquieta a
curiosidade e a sede de definição da razão. Mesmo ao compositor a música lhe
escapa. É interessante esse processo. Tenho certa sensação que isso ocorre pela
frustrante tentativa dos humanos em querer controlar as coisas. Na tradição
judaica, quando se dá o nome de algo é como se o possuísse. Sem dúvida pode-se
estender isso à toda humanidade. Se eu escrever nesse momento uma definição
para a música, talvez pudesse dizer que a tenho em segurança e que jamais
deixarei de saber o que ela é. Mas isso é uma ilusão, tudo o que capto dela são
partes que consegui inteligir de outros que escreveram sobre ela, somado à
experiência musical vivida por mim. Entretanto, mesmo sabendo que o que escrevo
é limitado e defeituoso, vou colocar nessas poucas linhas 3 impressões abreviadas
[talvez até demais] que tenho sobre a música.
Primeira impressão: música é experiência
e expressão.
O que é experiência? Algo relacionado ao
encontro entre sujeito e objeto. De maneira mais clara para esse contexto, ela constitui
o encontro do sujeito com a música. Isso significa, antes do mais, que, dentro
do evento musical, o sujeito não é mero expectador passivo, ele não apenas
aprecia a música, mas deleita-se nela ou a odeia, dependendo de qual for o
caso. E essa experiência só ocorre porque o objeto – música – expressa aquilo
que ele carrega. Se for algo bom, a música lhe trará coisas boas, o inverso
também é verdadeiro.
Flaubert, com ironia e veracidade,
definiu a música do seguinte modo: “Música: faz pensar num monte de coisas.
Abranda os costumes” [2]. Eis uma outra formulação para
experiência e expressão musical. Pensamento encerra a expressão que há no
interior de cada um e os costumes a exterioridade deles. O que pensamos
costumeiramente se manifesta inevitavelmente em alguma música por aí.
Segunda impressão:
música é jogo entre silêncio e ruído.
O que difere o ruído do som? Apenas uma
coisa, sua organização. O som é um ruído organizado, mas ainda assim ruído.
Quem organiza? O silêncio. Pela alternância ruído-silêncio consegue-se o som e
depois deste a música. Acho que me apressei nessa parte, mas considere-a como
pressuposto para a exposição adiante.
Que o ruído é propedêutico da música isso
pode ser aceito sem problemas, mas isso só pode acontecer se for considerado o
jogo que ele faz com o silêncio. As regras desse jogo funcionam de modo
simples: o ruído-som preenche o silêncio, pois este “é um recipiente dentro do
qual é colocado um evento musical” [3]. Conquanto, o silêncio
fornece sentido, ritmo e ordem aos ruídos, tornados sons, reunidos em melodia.
Sem essa jogatina a música teria dificuldade em se formar.
Terceira impressão: música: alma e espírito. quietude e inquietude
A meu ver, no pensamento em geral, a alma
aparenta ser um elemento mais tranquilo e silencioso. Talvez isso ocorra devido
a sublimação imposta a ela, atribuindo-a categorias de imortalidade,
luminosidade, eternidade; ideias que trazem tamanha abstração que geram
inefabilidade e, portanto, silêncio. Isso difere do espírito que aparece como
algo inquieto, cheio de luta e de contrastes. Ele surge, não como elemento
silencioso, mas semelhante a ruídos, em função dos atritos da sua inquietude.
Isso se torna claro quando, popularmente, diz-se que algo feito com alma foi
alcançado com suavidade e sutileza, enquanto algo realizado com espírito denota
batalha e firmeza.
A música pode produzir diversos
sentimentos no interior do sujeito, porém, sua capacidade de quietude e
inquietude são as mais admiráveis. Um homem pode ficar com espírito perturbado
ao ouvir uma música que lhe recorda alguém, de modo semelhante ele pode ficar
tranquilo ao escutar outra que lhe faz ficar nostálgico e esperançoso. A música
seduz a alma e o espírito e põe cada um num limite, a primeira na quietude, o
segundo na inquietude. Ambos sob o mesmo feitiço e embriaguez.
Apenas lamento que, no momento, não sou
capaz de organizar melhor essas abreviadas ideias.