Bruno R. Sales
Para entender a ideia de ordem social de Agostinho se faz necessário olhar seu pensamento acerca da
moralidade, pois, em sua teoria “a ordem social não é senão um prolongamento da
ordem moral” [1]. E
para ele, o reto direcionamento do amor é o que constitui uma vida moral
perfeita, uma vez que, do amor advém todos os benefícios de uma vida bem
regulada e justa.
Sendo, portanto, o amor o
cerne da moral, e um ato essencial do homem, é o primeiro elemento para iniciar
uma comunidade, isto porque para Agostinho o amor é um ânimo cheio de anseios
comunitários, e cujo, teor deve ser direcionado para outrem, pois, se aplicado
a si próprio configura-se em impiedade. Deste modo, toda sociedade implica em
um amor comum que almeja também algo comum. Assim, Agostinho põe como primícias
de sua política a Caritas. No
entanto, ele deixa bem específico que o primeiro amor deve-se a Deus, que, por
conseguinte, será transformado em amor aos homens, dado que, “o homem que tem
amor a Deus, há de tê-lo também a seus semelhantes. Ama-os como a si mesmo, por
consideração a Deus”[2].
Tendo esboçado o
princípio da teoria política do bispo hiponense, tratar-se-á agora de seu corpo
teórico. Agostinho desenvolve seu pensamento político em sua obra “A Cidade de
Deus contra os pagãos”, em cuja, ele trata de duas cidades diferentes, a saber:
a Cidade de Deus e a Cidade dos homens. Apesar desta distinção já ser evidente
nas Sagradas Escrituras, com Agostinho ela toma uma evidência mais ampla,
abrangendo uma parte da história religiosa da humanidade. Evidentemente, tais
Cidades não devem ser compreendidas como sendo corporações visíveis, ou
separadas por barreiras espaço-temporais; são, na realidade, duas comunidades
que divergem entre si por suas aspirações mentais e morais, e estes anseios são
definidos pela essência da vida do homem - caritas.
O preceito de caritas é, pois, preponderante para a origem das cidades conforme o próprio Agostinho explana:
Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor de si levado até o desprezo de Deus, a terrena; o amor a Deus, levado até o desprezo de si, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens e tem esta por máxima glória de Deus, testemunha de sua consciência... Aquela ama sua própria força em seus potentados... os homens não buscaram senão os bens do corpo... Na Cidade de Deus, pelo contrário, não há sabedoria humana, mas piedade, que funda o culto legítimo ao verdadeiro Deus, à espera de prêmio na sociedade dos santos, de homens e de anjos. (Cidade de Deus, liber XIV, 28.)
O amor, para Agostinho, é
súmula de sua proposição, como já foi exposto, por isso é ele quem determina em
qual Cidade está o indivíduo. Quando o homem, por sua própria inclinação
volta-se totalmente em ato de amor as coisas denominadas terrenas, ele está
imerso na cidade dos homens; porém, quando fazendo uso equilibrado de seu amor
pelos domínios temporais, e utilizando-se deles como instrumentos para sua
elevação até a cidade de Deus, tal homem já não reside na cidade anterior, mas
caminha para lugar onde o amor a Deus é o único preceito imediato, pois, “o uso
das coisas temporais relaciona-se, na terra, com a obtenção da paz celeste” (Cidade de Deus, liber XIX, 14).
Os citadinos de ambas as
cidades se confundem materialmente entre si, porém, sua elevação espiritual
diferencia-se, e ainda mais, quando perpetrando eles mutuamente no uso das
coisas temporais buscam fins divergentes, daí mais uma das razões de suas
diferenças.
Tomás de Aquino – seguindo
e aprofundando Aristóteles – aborda a justiça como virtude e como valor social,
pois é princípio de retidão para os indivíduos, para as relações e para as
instituições da sociedade. Tomás propõe a justiça como princípio para uma vida
social adequada entre os homens, isto ele retira de suas grandes fontes:
teologia e a filosofia. Desta maneira, evocando Aristóteles com a ideia de koinonia sendo o princípio de amizade e
germe da sociedade, e trazendo juntamente a ideia de koinonia, vinda do Novo Testamento, especificamente de Paulo, ao dirimi-la
com caráter de comunhão divina; o Aquinate emprega-a também com o sentido de societas. Ele reúne o Filósofo e o
Apóstolo, reconhecendo que o Novo testamento e o Filósofo visam à mesma
realidade: a "comunhão".
Tomás de Aquino vai além, analisando o conceito de direito, cujo daria sustento a sociedade, portanto ele distingue dois tipos de direito: natural e positivo. Conforme afirmou:
O direito vem ser uma obra ajustada a outrem, segundo certo modo de igualdade. Ora, isso pode realizar-se de duas maneiras: em virtude da natureza mesma da coisa. Por exemplo, se alguém dá tanto para receber tanto; isso se chama o direito natural. Por convenção ou comum acordo. Por exemplo, quando alguém se dá por satisfeito de receber tanto. O que se pode dar de dois modos: primeiro, por uma convenção particular, quando pessoas privadas firmam entre si um pacto; segundo, por convenção pública, quando todo o povo consente que algo seja tido como adequado ou proporcionado a outrem, ou assim ordena o príncipe, que governa o povo e o representa. Isso se chama direito positivo. (Suma Teológica, I-II, Q. 57, art. II)
Dado isto, ele desenvolve seu
pensamento sobre a lei, pois, se há direito, necessariamente se tem leis. Para ele
“a lei é certa regra ou medida dos atos, segundo a qual alguém é levado a agir,
ou apartar-se da ação” (Suma Teológica, I-II, q. 90, a.1). Ele divide a lei em quatro, a saber: divina, natural, humana e do
Evangelho.
Por lei divina, o Aquinate concebe ser aquele que vem de Deus e cuja abrangência é tudo o quanto existe, segundo ele mesmo afirma:
Suposto que o mundo seja regido pela providência divina, é manifesto que toda a comunidade do universo é governada pela razão divina. E assim, a razão própria do governo das coisas em Deus, como existindo no príncipe do universo, tem razão de lei. (Suma Teológica, I-II, Q. 91, art. I)
E como toda lei é promulgada tendo
em vista um fim, a lei divina – que tem seu princípio em Deus – tem seu fim
oportuno Nele, ou seja, “o fim do governo divino é próprio Deus, a lei eterna
não se ordena a outro fim” (Suma
Teológica, I-II, Q. 90,
art. IV).
A lei natural seria a participação racional do homem
na lei eterna, dado que:
Como todas as coisas estão sujeitas
à providência divina, são reguladas e medidas pela lei eterna, é manifesto que
todas participam, de algum modo, da lei eterna, enquanto impressão dessa têm
inclinações para atos e fins próprios. E tal participação da lei eterna na
criatura racional se chama lei natural. (Suma Teológica, I-II, Q. 91, art. II)
Lei
humana é forma de ordenar a lei natural para as coisas cujo ditame é referente
aos homens.
Na razão especulativa de princípios
indemonstráveis naturalmente conhecidos produzem conclusões cujo conhecimento
não nos é inato, mas descoberto por esforço da razão, assim também dos
preceitos da lei natural, é necessário que a razão humana proceda para dispor
mais particularmente algumas coisas... pois, a origem do direito veio da
natureza, depois algumas coisas vieram como costumes por aprovação da razão.
(Suma teológica, I-II, Q. 91,
art. III)
Por
fim, ele apresenta a lei do Evangelho, diferentemente das outras leis, esta não
possui a dureza voluntarista, nem a exterioridade das outras, ela é uma obra da
Sabedoria ordenadora, que é impelida pelo bem comum procedente do amor cujas
justas vias são ensinadas pelas Escrituras Sagradas. A natureza lei toma uma
força interior que em Tomás coincidir-se-á com a ação do Espírito Santo:
Aquilo que é principal na lei do
Evangelho, e em que toda a virtude dela consiste, é a graça do Espírito Santo,
que é dada pela fé em Cristo. E assim, principalmente a lei nova é a própria
graça do Espírito Santo, que é dada aos fiéis de Cristo. (Suma Teológica, I-II, Q. 106, art. I)
O
doutor Angélico trata ainda das relações entre o estado e a Igreja, entre poder
temporal e poder espiritual. Assim como ele pretendeu fazer com a teologia e a
filosofia, visou para estes estados um equilíbrio de tendências divergentes,
colocando o estado temporal, sendo aquele que é concebido como uma instituição
natural, e como administrador dos bens temporais com a finalidade de garantir e
assegurar o bem comum. Enquanto a Igreja, ou estado espiritual, seria dotada
essencialmente para fins sobrenaturais. Vendo por esta óptica, o estado temporal
não necessitaria subordinar-se à Igreja como um estado acima dele; sua
subordinação limitar-se-ia aos vínculos existentes entre a ordem natural e
sobrenatural, na medida em que esta última aperfeiçoa a primeira.
Percebe-se,
portanto, que das mais óbvias semelhanças entre as teorias políticas dos
grandes filósofos como: Deus como princípio e finalidade, as virtudes como
excelências para uma sociedade equilibrada e entre outras. Porém, nota-se sua divergência,
como a forma das relações entre o estado temporal e o espiritual, enquanto
Agostinho defendia que a Cidade dos homens deveria curvar-se à Cidade de Deus,
Tomás de Aquino, dirá que a cada um compete fazer o que lhe é dado, porém,
mantendo uma relação de aperfeiçoamento entre o temporal e o espiritual.