sexta-feira, 15 de julho de 2022

BARBÁRIE DO ESCLARECIMENTO E VENDA DA CULTURA: UM OLHAR A ANALÍTICO A PARTIR DE ADORNO E HOKHEIMER

 


Pedro Henrique M. F. Silva

Introdução

A teoria crítica revela e expressa a profunda crise teórica do séc. XX, refletindo sobre seus problemas com muita radicalidade, sem precedentes. Vinculam-se ao marxismo não só do ponto de vista econômico, mas, especialmente científico, isto é, a partir da cosmovisão e do método de trabalho e análise. A crítica feita pelos frankfurtianos é uma “teoria social do conhecimento”. É interessante notar que, devido a vastidão de perspectivas sobre as quais os teóricos de Frankfurt se debruçam, é difícil classificar essa escola do ponto de vista convencional. O ponto de partida dos pensadores, em especial, Adorno e Hockheimer, é a lógica de que tudo se torna consumível: teorias, bens culturais, pessoas; haja vista que sua postura se funda muito mais em uma análise crítica da sociedade com seus problemas naquele contexto.

Entretanto, é possível perceber que um dos temas que mais povoam o labor intelectual dos frankfurtianos é a questão da arte e toda sua relação política e social, bem como a dimensão cientifica e sua instrumentalização. A cultura de massas não seria nem uma cultura enquanto tal e nem produzida: é apenas uma oferta de fácil captação e aceitação, seu “benefício” é a eliminação de toda e qualquer complexidade que peça esforço intelectivo e reflexivo. A arte seria, portanto, o veículo de aproximação mais efetivo entre as massas e a classe dominante, o status quo que movimenta e aliena a sociedade. Vale a pena ressaltar que, os grandes nomes desta escola são: Walter Benjamim, Theodor Adorno, Max Hockheimer, Hebert Macuse, Erick Froom e mais recentemente, apontado com um herdeiro destes últimos, Jurgen Habermas.

A escola de Frankfurt: Contexto Histórico.

A Escola de Frankfurt surgiu a partir do Instituto para pesquisa social, fundado na cidade alemã acima citada, em 1923. Teve por primeiro diretor Carl Grünberg que orienta e impulsiona o desenvolvimento de pesquisas e estudos acerca do socialismo, dos movimentos operários e da história econômica, já que havia uma forte abertura da população da cidade citada, para as teorias comunistas e socialistas.

A partir de 1931, Max Horkheimer assume a direção institucional e passa, paulatinamente, a modificar o campo de estudos para dimensões mais ligadas a atualidade, o que permite a entrada de novos e importantes membros como: Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Erich Fromm, formando assim o núcleo primeiro desta escola. Esses pensadores têm por objetivo oferecerem uma crítica social da modernidade, com especial ênfase na questão da cultura, apoiados teoricamente em Marx, Nietzsche e Freud, autores extremamente responsáveis pela mudança de paradigma na forma de visão de homem, da sociedade, da política e economia de então.

Entre Esclarecimento e Barbárie: a crítica presente na dialética do esclarecimento.

Os intelectuais de Frankfurt, a partir da teoria crítica, se propõe a oferecer uma análise ampla da sociedade, a partir da unidade entre as diversas análises dos estudiosos em suas mais diversas áreas, como se afirma que:

os frankfurtianos trataram de um leque de assuntos que compreendia desde os processos civilizadores modernos e o destino do ser humano na era da técnica até a política, a arte, a música, a literatura e a vida cotidiana. Dentro desses temas e de forma original é que vieram a descobrir a crescente importância dos fenômenos de mídia e da cultura de mercado na formação do modo de vida contemporâneo [1].

É a partir desses estudos que dois dos mais célebres estudiosos da escola vão propor a análise crítica do chamado “Esclarecimento”, proposto pelos pensadores Iluministas.  Ela se encontra no livro “Dialética do esclarecimento ou das Luzes” produzido por Adorno e Horkheimer, lançado em 1944 e produzido dentro do contexto da 2° guerra mundial.  

Nesse livro os autores se propõem a analisar o porquê cadê vez mais a humanidade está envolta na barbárie ao invés de realizar sociedade mais humana, de maneira plena. Para uma melhor compreensão disso, é necessário esclarecer o que se compreende por esclarecimento.

 A mais famosa definição sobre esse tema se deve a Kant que, caracteriza esse momento como uma emancipação humana, isto é, a saída do homem do estágio de submissão a outros detentores de poderes e manipuladores do pensamento, para uma dimensão de maioridade, onde o homem usa da sua própria razão sem precisar de outro que o oriente.

Por isso, há a grande troca de paradigmas entre o elemento mítico/Religioso para a dimensão científica. Neste sentido, é também importante perceber a ideia que perpassa todo esse movimento: Do progresso da razão. Seria ele, a coluna basilar para o bom êxito da proposta Iluminista.

Entretanto, observam os pensadores Frankfurtianos, a medida em que o tão difundido “esclarecimento” avança, ainda perduram as tragédias, barbáries e catástrofes. Quanto mais desenvolvimentos nessa linha, mais formas de submissão surgem em distintas modalidades e formas, como é dito abaixo:

Desde que o Aufklärung existe no sentido mais amplo, o de um pensamento em ação, ele procura libertar os homens do medo e fazer deles seus senhores. Mas a terra que passou dominada completamente pelo Aufklärung brilha sob o signo da catástrofe completa [2].

Desse primado da razão e da ciência é que vão se desenrolar os processos de ampliação da técnica, o desenvolvimento de uma visão de mundo muito centrada no cálculo e na classificação, na qual a natureza e os próprios homens são percebidos do ponto de vista da manipulação e experimentação.

A Indústria Cultural: A arte consumível

Com o avanço da industrialização, tal percepção se torna ainda mais forte e expressiva. Logo, é a partir dessas análises e constatações que os Filósofos Adorno e Horkheimer elaboram um conceito célebre e importante para a escola de Frankfurt, que diz respeitoà chamada Indústria cultural, isto é, um convite a olhar a questão técnica em paralelo com a arte. Essa primeira não é algo imutável, mas, histórico e, portanto, construído ao longo do tempo.

A partir foi dito, é passível de mudança de acordo com o sistema social, especialmente dentro do padrão racional em que se encontra dominada a sociedade. Assim, a arte passa a ser sacrificada em favor dessa tecnificação social vigente e que acontece pelo fato de favorecer a uma classe dominante.

 Logo, pela técnica, a arte se torna objeto de exploração comercial, simples negócios. É necessário clarificar que a “Indústria cultural” pensada por adorno, não se liga ao termo das “culturas de massa”, pois este, ao usar o termo ‘cultura’ parece querer afirmar uma certa origem espontânea na massificação dos bens culturais. Numa perspectiva de uma “antropologia do consumo”, a indústria cultural não só visa ‘adaptar’ os consumidores ao consumo, mas, estabelece-o.

Dessa maneira, a visão de homem cai na linha de mero interesse consumista e a humanidade é reduzida a sua obediente seguidora. Ao se aliar com a ideologia dominante a indústria cultural cria uma falsa relação dos homens entre si e com a natureza, gerando o efeito contrário àquilo que propunha o iluminismo; é uma razão que se deixa instrumentalizar. Se o iluminismo se propusera a libertar o homem do poder dominante do mito, agora, este, se deixa absorver pela dominação técnica.

A partir dessa mudança tão forte, a própria subjetividade é atingida e colocada dentro desses padrões de consumismo. Observa Adorno, que essa dominação tem principalmente a capacidade de conter a formulação de um pensamento autônomo e independente nas massas; ele observa isso a partir da própria dimensão do descanso e lazer. Não são mais determinados em função de algo natural, inerente ao ser humano, mas, em ligação ao trabalho, ou seja, o homem se ausenta do labor mecanizado para repor forças e ter disposição na sua continuidade.

Um outro ponto no qual essa exploração cultural penetra é a determinação do que se usar e consumir no tempo livre. O ser humano não usa mais este para pensar, desenvolver e maturar uma consciência, mas, para viver uma espécie de anestesiamento social e projeção ideal, onde a vida parece imitar o que se passa nas telas de cinema ou em outros mecanismos do tipo e não o contrário.

Para melhor fundamentar essas perspectivas os teóricos tomam por ponto focal de análise a música: ela cai na cilada da padronização. Isto é, para que seja vendida com mais intensidade se faz preciso um padrão que já seja familiar e garanta a esta o sucesso do consumo, cuja oferta e interpretação sejam mínimas e não produzam agitações de pensamento e reflexão. Logo, as artes sucumbiram a essa armadilha montada pela sociedade de compra e venda

Ao mesmo tempo, essa indústria vai conduzindo o homem a um permanente desejo que se configura na aceitação do que lhe é oferecido; é ela quem cria as necessidades, determina até que prazos tal coisa tem sua valia, e a ideia de progresso acaba sendo entendida como a satisfação desse desejo de posse incutido nas pessoas. Nesse sentido, o consumismo ofertado pela indústria cultural é uma regressão: Induz o ser humano a uma espécie de estado de barbárie, ausente da ótica de educação, onde o homem reflete, pensa e analisa: a si mesmo, o meio e o universo.

Considerações finais

Portanto, para Adorno e Horkheimer a solução está no desenvolvimento de um olhar crítico da sociedade em que se insere, como fator para um desenvolvimento mais humano, ético e menos centrado no consumo. Analisar, estudar e ler os acontecimentos da sociedade podem ser chaves importantes para a superação das distorções vindas da mentalidade de consumo.

Nesse sentido, as teorias da escola de Frankfurt são de grande lucidez para uma leitura necessária da sociedade atual. Embora tenham sido formuladas no início do desenvolvimento tecnológico, elas falam muito apropriadamente ao momento em que nós estamos e que demanda, mais do que nunca, uma criticidade ainda mais aguçada e inquieta.



[1] MONGENDORFF, Janine Regina. A Escola de Frankfurt e seu legado. Porto Alegre: Verso e Reverso, XXVI(63):152-159, setembro-dezembro 2012.

[2] Wiggershaus apud. MONGENDORFF, Janine Regina. A Escola de Frankfurt e seu legado. Porto Alegre: Verso e Reverso, XXVI(63):152-159, setembro-dezembro 2012. p. 358

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