terça-feira, 1 de novembro de 2022

CONHECIMENTO, TEMPO E SER

 

Bruno R. Sales

      Πάντες ἄνθρωποι τοῠ εἰδέναι ὀρέγονται φύσει [1] – Todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Essa sentença, legada por Aristóteles à posteridade, demonstra a síntese do que é ser humano, a saber: um ser cuja ambição básica é conhecer. Mas, o que desejamos conhecer? Tudo o que estiver ao nosso alcance, desde a fofoca na rua até os mistérios que se escondem na imensidão do universo. E mesmo assim somos insatisfeitos e constantemente tentamos ir além de nossos limites, testando até onde nossa racionalidade pode apetecer tal anseio.

          Esse desejo natural por conhecimento, que poderíamos sem problemas traduzir de modo popular por curiosidade, é objeto de discussão a tempos, desde antes de o próprio Aristóteles escrever a frase acima citada. As ideias que foram se acumulando de lá para cá possuem, em certa medida, elementos comuns. Por exemplo, a ideia dos múltiplos meios de conhecer, sensível e suprassensível; ou ainda, a consciência de saber que sabe e que pode saber das coisas. Trago apenas essas duas definições para exemplificar de modo bastante grosseiro. Contudo, no presente texto, quero considerar o desejo por conhecimento em sua relação com o tempo.

           Por conhecimento tenho em mente a sua significação mais generalizada: saber das coisas e sobre as coisas. Já o tempo, aqui, será tratado como uma categoria que permite ao homem reconhecer o Ser ou Não-ser das coisas. Isso significa que, quando se considera o tempo, simultaneamente tem-se em mente o Ser e o Não-ser. Isso significa que a temporalidade exige a mínima ideia de existência ou de possibilidade dela. Essa noção de existência é dupla, pois deve considera-la como existência de si e, de igual modo, da coisa que se conhece ou quer conhecer. [Mesmo que esta última esteja se referindo a algo que não existe na realidade, mas apenas na imaginação, portanto, uma existência inteiramente dependente da consciência do sujeito].

O tempo, de acordo com Kant, é uma intuição a priori da razão, isto é, ele independe da experiência sensível para que se saiba a seu respeito e de sua afetação sobre o sujeito em sua capacidade de conhecer. Desse modo, “o tempo é uma condição a priori de todo fenômeno em geral, e na verdade a condição imediata dos fenômenos internos (das nossas almas) e por isso mesmo também mediatamente a dos fenômenos externos” [2]. Nesses termos, o tempo não é uma realidade ontológica, ou seja, não subsiste por si mesmo, mas é uma intuição da mente humana sem a qual o conhecer não seria possível, posto que, tudo que se pode conhecer deve ter alguma relação com ele.

Mas, se dissermos que o conhecimento depende do tempo, como é possível qualquer conhecimento sobre algum ser que o transcenda? Em sua profundidade, essa discussão considera o tempo, mas tão somente como uma via negativa, isto é, o tempo como não-tempo. Em outros termos, o ser transcendente da realidade espaço-temporal, é um ser dito eterno; a eternidade é concebida como um presente perpetuo, sem devir. Desse modo, o tempo é tempo enquanto presente, entretanto, também pode ser considerado como não-tempo, quando é observado como devir ou sucessão de períodos. Com isso tem-se outra situação a levar em conta, em relação ao Ser e tempo o conhecimento se dá, em sua generalidade, de duas formas: uma sobre o Ser fora do tempo, isto é, o ser transcendente; e outra do ser temporal, ou seja, a existência vista como devir do ser (o ente). Em virtude da proposta do texto, ater-me-ei somente a este último.

O tempo-devir é aquele com o qual estamos mais acostumados, se assim se pode dizer, pois ele, psicologicamente [3], nos afeta com sua tripartição: passado, presente e futuro. E nosso conhecimento também é afetado. Mas antes de falar disso, é preciso retomar as relações entre Ser e tempo. Assim, a tripartição também tem sua maneira própria de relacionar-se com o ser. Basicamente, segue-se assim:

Não-ser → passado = recordação = ação retroativa [recordatio]
Ser → presente = ato = ação atual [actio]
Ser ou Não-ser possível → futuro = representação [representatio] = ação  – imaginativa
                                                                                                                        – dedutiva
                                                                                                                        – indutiva 

            Ora, o passado está para o Não-ser em função de sua não-existência. Contudo, ele também está como uma recordação [recordatio], ou seja, uma ação retroativa de conhecimento, pois trata-se de uma anamnese, certa rememoração de um conhecimento já tido, porém, esquecido. O presente está para o Ser em função da sua existência como ato, isto é, ação atual [actio]; isso tão somente significa que no presente o conhecimento é visto a partir do ser existente naquele momento. O futuro é sempre incerto e, em função disso, sua relação com Ser e Não-ser não possui definição categórica, mas apenas na forma de probabilidades. Isso significa que as possibilidades do futuro são representações [representatio] de possíveis ações. Essa capacidade de representar o futuro acontece por meio de três capacidades da razão: imaginação, dedução e indução.

           A dedução e a indução são processos já conhecidos. Ambos são frutos da racionalidade crítica e avaliativa. Nesses dois processos a razão avalia o passado e o presente e expõe, ainda que de modo tênue, as possibilidades do futuro. Elas, então, são processos que garantem um conhecimento hipotético, porém, com certo grau de segurança, pois está assentado na criticidade racional; a incerteza permanece presente, mas a certeza também adquire sua porcentagem nessa situação.

Entretanto, a imaginação, em relação ao futuro, é a mais enganosa, pois ela põe em jogo ideias baseadas em simples acaso e suposições, sem nenhum critério de julgamento. Em termos simples, a imaginação gira em torno da possibilidade das possibilidades, portanto, trata-se de mera expectativa diante das coisas que se quer saber [talvez aqui, o saber deve ser tido como experiência; isso evidencia que o conhecimento, no que diz respeito ao futuro, é também baseado na esperança de uma experiência de apreensão, não da apreensão em si].

           Ser e tempo são basilares para o conhecimento, acredito que isso seja evidente. Nada daquilo que soubemos, sabemos e saberemos está independente dessas relações. O humano como ser existente temporariamente nessa terra, apreende as coisas de acordo com que lhe é permitido ser. Em resumo, para findar esse texto, somos seres e temporais, portanto, tudo o que conhecemos depende do ser e do tempo.        


[1] Metafísica, Lib. I, 980a - ARISTÓTELES. Metafísica vol II. Ensaio introdutório, tradução do texto grego, sumário e comentários de Giovanni Reale. São Paulo. Edições Loyola. 2002. p. 3.

[2] KANT, Immanuel. Crítica da Razão pura. São Paulo, Nova cultural, 1999. (Os pensadores); p. 79.

[3] Digo psicologicamente em concordância com Agostinho de Hipona que via no tempo uma distensão da mente em relação a um antes e depois [cf. Confissões, Lib. XI, 23ss.]

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

TRÊS IMPRESSÕES SOBRE A MÚSICA

 

Bruno R. Sales 

            O ser humano é o animal dos conceitos. Mas nenhuma abstração conceitual lhe é suficiente, pois, tudo lhe escapa em determinado limite. Pascal já via essa limitação ao colocar o homem como um caniço pensante [1], isto é, de natureza frágil e pensamento de alcance finito. A humanidade poderá unir todos os conceitos que formularam sobre qualquer coisa, e esse maciço bloco conceitual, ainda estará incompleto. Ao intelecto sempre escapa algo.

            Com o conceito de música não é diferente. Muitos pensadores, filósofos e compositores deram fórmulas ao que ela pode ser, porém, no fim de tudo o que foi dito, pouco ou nada aquieta a curiosidade e a sede de definição da razão. Mesmo ao compositor a música lhe escapa. É interessante esse processo. Tenho certa sensação que isso ocorre pela frustrante tentativa dos humanos em querer controlar as coisas. Na tradição judaica, quando se dá o nome de algo é como se o possuísse. Sem dúvida pode-se estender isso à toda humanidade. Se eu escrever nesse momento uma definição para a música, talvez pudesse dizer que a tenho em segurança e que jamais deixarei de saber o que ela é. Mas isso é uma ilusão, tudo o que capto dela são partes que consegui inteligir de outros que escreveram sobre ela, somado à experiência musical vivida por mim. Entretanto, mesmo sabendo que o que escrevo é limitado e defeituoso, vou colocar nessas poucas linhas 3 impressões abreviadas [talvez até demais] que tenho sobre a música.

            Primeira impressão: música é experiência e expressão.

O que é experiência? Algo relacionado ao encontro entre sujeito e objeto. De maneira mais clara para esse contexto, ela constitui o encontro do sujeito com a música. Isso significa, antes do mais, que, dentro do evento musical, o sujeito não é mero expectador passivo, ele não apenas aprecia a música, mas deleita-se nela ou a odeia, dependendo de qual for o caso. E essa experiência só ocorre porque o objeto – música – expressa aquilo que ele carrega. Se for algo bom, a música lhe trará coisas boas, o inverso também é verdadeiro.

            Flaubert, com ironia e veracidade, definiu a música do seguinte modo: “Música: faz pensar num monte de coisas. Abranda os costumes” [2]. Eis uma outra formulação para experiência e expressão musical. Pensamento encerra a expressão que há no interior de cada um e os costumes a exterioridade deles. O que pensamos costumeiramente se manifesta inevitavelmente em alguma música por aí.

Segunda impressão: música é jogo entre silêncio e ruído.

O que difere o ruído do som? Apenas uma coisa, sua organização. O som é um ruído organizado, mas ainda assim ruído. Quem organiza? O silêncio. Pela alternância ruído-silêncio consegue-se o som e depois deste a música. Acho que me apressei nessa parte, mas considere-a como pressuposto para a exposição adiante.

Que o ruído é propedêutico da música isso pode ser aceito sem problemas, mas isso só pode acontecer se for considerado o jogo que ele faz com o silêncio. As regras desse jogo funcionam de modo simples: o ruído-som preenche o silêncio, pois este “é um recipiente dentro do qual é colocado um evento musical” [3]. Conquanto, o silêncio fornece sentido, ritmo e ordem aos ruídos, tornados sons, reunidos em melodia. Sem essa jogatina a música teria dificuldade em se formar.

            Terceira impressão: música: alma e espírito. quietude e inquietude

A meu ver, no pensamento em geral, a alma aparenta ser um elemento mais tranquilo e silencioso. Talvez isso ocorra devido a sublimação imposta a ela, atribuindo-a categorias de imortalidade, luminosidade, eternidade; ideias que trazem tamanha abstração que geram inefabilidade e, portanto, silêncio. Isso difere do espírito que aparece como algo inquieto, cheio de luta e de contrastes. Ele surge, não como elemento silencioso, mas semelhante a ruídos, em função dos atritos da sua inquietude. Isso se torna claro quando, popularmente, diz-se que algo feito com alma foi alcançado com suavidade e sutileza, enquanto algo realizado com espírito denota batalha e firmeza.

A música pode produzir diversos sentimentos no interior do sujeito, porém, sua capacidade de quietude e inquietude são as mais admiráveis. Um homem pode ficar com espírito perturbado ao ouvir uma música que lhe recorda alguém, de modo semelhante ele pode ficar tranquilo ao escutar outra que lhe faz ficar nostálgico e esperançoso. A música seduz a alma e o espírito e põe cada um num limite, a primeira na quietude, o segundo na inquietude. Ambos sob o mesmo feitiço e embriaguez.

Apenas lamento que, no momento, não sou capaz de organizar melhor essas abreviadas ideias.



[1] Cf. PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo, Abril Cultural, 1984. (Os pensadores). p. 123.

[2] FLAUBERT, Gustave. Dicionário das ideias feitas. São Paulo, Nova Alexandria, 2007. p. 79.

[3] SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo, Editora UNESP, 2011. p. 59

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

PHOTOGRAPHIA

 


Bruno R. Sales

            Fotografia: imagem captada através de máquinas projetadas para esse fim. Essa é a mais simplista definição do que é uma foto dada por este que escreve. Entretanto, assim o fiz para ter com o quê começar esse texto. No desenrolar dessas letras espero falar mais profundamente sobre o tema.

            A mim já parece muito previsível iniciar com a etimologia da palavra – dada a importância que dou a esse aspecto, não poderia ser diferente –, desse modo, o termo fotografia tem origem grega: φῶς [fós], cuja tradução é ‘luz’ e γραφw [grafó] referindo-se ao ato de fixar por escrito. Numa ligeira junção, fotografia é a fixação da luz em forma visível. Para uma exposição mais agradável é justo ver cada parte separadamente, antes de uni-las.

 Primeiro, o que é a luz? Não vou me ater aos princípios puramente físicos da resposta à questão, mas, de modo especial, aos filosóficos.  Partindo de Descartes, “a luz não é outra coisa que certo movimento, ou uma ação muito rápida e muito viva” [1]. Em seguida, o que significa dizer ‘fixar a luz’, senão que, a foto, aos moldes de nossos olhos, capta a luz visível das coisas e as congela numa representação do tempo e espaço. Kant classificou o tempo e o espaço como categorias a priori, isso significa que eles são anteriores a qualquer experiência dos sentidos e, em função disso, indispensáveis para tal coisa. Se eu puder trocar em miúdos – e espero que sem engano – o tempo e o espaço kantianos garantem à mente humana certo conceito de realidade. Tudo que é experiência depende disso, ou melhor, tudo o que ‘é’ está dependente desse conceito. A fotografia, então, captura, numa imagem, a realidade enquadrada nos instrumentos próprios para isso; não somente, ela capta o movimento e congela-o. Entretanto, incentiva outros, em geral movimentos do espírito [no sentido filosófico].

Walter Benjamin atesta que:

Percebemos, em geral, o movimento de um homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que ele dá um passo. A fotografia nos mostra essa atitude... somente a fotografia revela esse inconsciente ótico [2].

Luz, espaço e tempo unidos formam o instante. Pergunto: o que se contempla numa fotografia? Um instante, que ao ser observado em sua captura pode-se refletir por muito tempo. Guardar o instante é o que pretendemos quando fotografamos. Captar o tempo, prender o espaço e perpetuar o sentimento do momento vivido. É por essa razão que nossas emoções agitam o espírito ao ver determinada foto.

            Na fotografia, os instantes capturados podem proceder de fontes diferentes: pessoas, paisagens, animais, obras de arte. Seja qual for sua origem, as fotos, todas elas de algum modo e em graus variados, inquietam o coração do sujeito. Por exemplo, se considerarmos a foto de alguém por quem se nutre bons sentimentos, sua imagem traz ao espírito a nostalgia de tudo que viveu-se com ela, mas, de igual modo, traz questionamentos de como ela está, como vive, etc. De outro modo, se tomar a foto de uma escultura a sua beleza poderá encantar, e outras questões, de natureza diversa das expostas acima, surgem: qual foi a inspiração do artista? Que técnica utilizou? O que sua figura representa? E por fim, corre-se ainda o risco de retomar o estado nostálgico, pois na beleza da escultura, pode-se facilmente imaginar o que certa pessoa, de quem se lembra no momento, acharia daquela imagem.

             A vida é hic et nunc [aqui e agora], e a fotografia não capta isso, pois se trata de experiência, vivência, ou seja, é o “estar ali”. Contudo, ela – a foto – produz um novo aqui e agora, que se realiza numa nova experiência vivida subjetivamente. Sendo o instante a contemplação da foto, sabe-se que ele é um passado, mas, como recorda o poeta, “o passado é o presente na lembrança” [3]. E essa lembrança é o novo e nostálgico hic et nunc vivenciado com a imagem.

 



[1] DESCARTES, René. A dióptrica. In.      . Discurso do método e ensaios. São Paulo, Editora UNESP, 2018.  p. 130

[2] BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In.     . Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas vol. I. São Paulo, Brasiliense, 1994. p. 94.

[3] PESSOA, Fernando. Obra poética de Fernando Pessoa: volume I. Rio de Janeiro, Nova fronteira, 2016. E-book kindle.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O PECADO DE GREGOR

 


Bruno R. Sales

            Άμαρτία é o termo grego usado para designar pecado. Na tradição judaico-cristã o primeiro casal de seres humanos incorreu num crime em função da quebra de uma regra posta pelo próprio Deus. Eles não poderiam comer do fruto da árvore do conhecimento do Bem e do Mal (cf. Gn. 2). O pecado, nesse contexto, é uma cisão nas relações entre criatura e criador. Contudo, essa não é a única aplicação de significado para esse termo. A Άμαρτία, para Aristóteles, tem um sentido que, mesmo não indo contra às bases da ideia acima mencionada – isto é, um defeito nas relações –, expande o conceito.

            Em sua Poética (cap. XIII), o filósofo escreve:

[…] a situação intermediária, ou seja, aquela do homem que, sem se distinguir muito pela virtude e pela justiça, chega à adversidade não por causa de sua maldade e de seu vício, mas por ter cometido algum erro (Άμαρτία) […] [1]

            O trecho acima descreve o personagem ideal para uma tragédia. Sendo assim, o erro é uma das premissas do trágico. Diferentemente de Adão e Eva, o personagem trágico não incorre necessariamente num crime, mas em um erro, e tal erro pode ser o mais simples possível, trata-se apenas de negligenciar, por um momento, a razão e o discernimento. Por isso, no ideal trágico, o homem não se distingue muito, ele é o meio termo porque pretende demonstrar a humanidade; se fosse muito mal seria um demônio, se fosse muito bom, um anjo, porém, se tratando da medida ele é comum e incorre em erros comuns, mas que podem ser fatais. Somente a humanidade comum peca.

            Nesses termos, Άμαρτία é também tida como desorientação ou, para usar uma palavra mais conveniente, inconsciência. Enquanto para o Judeu-cristão a consciência foi consequência do ato pecaminoso; para os gregos a falta dela é princípio do pecado. Um sujeito inconsciente de sua humanidade, de sua personalidade e de sua racionalidade é um pecador (Άμαρτόλος). O expoente exemplar desse pecador é Gregor Samsa.

            Quando, “certa manhã, ao despertar de um sonho inquieto, Gregor Samsa descobriu-se transformado num insuportável inseto” [2], ele não estranhou sua metamorfose, sua única preocupação continuou sendo o trabalho e a família. Inconsciente de si, ele simplesmente vivia para os outros. De tal modo, Gregor peca por ter esquecido de sua humanidade, a visão que ele teve si como inseto não o aborreceu, nem entristeceu, ele foi indiferente a ela. Não parou para pensar. Samsa não tinha uma vita contemplativa como aquela que os gregos propuseram para exercício da consciência e do pensamento. Ele vivia de trabalhar, sem que tivesse um ócio produtivo para olhar para ele mesmo.

            Apesar de sua alienação, Gregor tem um incentivo para que recorde sua humanidade. Quando seu pai tenta afastá-lo para dentro do quarto, ele arremessa algumas maças contra Gregor-inseto e uma delas lhe atinge nas costas e fica presa a uma ferida. No decorrer da narrativa, sabe-se que esta maçã está apodrecendo em suas costas e ele a sente presa lá.

[…] O ferimento sério, com o qual padeceu mais de um mês – a maçã continuou, uma vez que ninguém se atreveu a retirar, enfiada na carne, como uma recordação exposta –, pareceu fazer até mesmo o pai se lembrar que Gregor, apesar de suas feições asquerosas e deprimentes, era um membro da família. [...] [3].

Essa maçã que o incomoda é o grito que nosso caixeiro-viajante ignora para relembrar que é um homem.

            O pecado da desobediência de Adão e Eva deu, como consequência, a capacidade da humanidade de ter consciência por si e decidir nos parâmetros de seu livre-arbítrio. O fruto proibido – costumeiramente tido como uma maçã – é, nesse contexto, o sinal do nascimento da autoconsciência. Para Gregor, sua inconsciência é um pecado, porque desobedece ao que é humano por natureza: o saber de si. A maçã no meio de uma ferida em suas costas é um apelo para que ele se lembre que é um homem, não um inseto. O homem peca por seu orgulho, mas de modo admirável ele incorre noutro pecado quando deixa de orgulhar-se por ser o que é: humano.



[1] ARISTÓTELES. Poética (bilingue). São Paulo, Editora 34, 2017. p.113.

[2] KAFKA, Franz. A metamorfose. São Paulo, Hedra, 2009. p. 29.

[3] KAFKA, Franz. A metamorfose. São Paulo, Hedra, 2009. p. 78-79

sexta-feira, 29 de julho de 2022

CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO VERDADE EM ALBERT CAMUS

 


Bruno R. Sales

 

O que é a Verdade? Essa questão preocupa os pensadores desde os primórdios do pensamento filosófico. Durante a passagem do tempo, alguns deixaram-na escanteada ou decidiram não profundar nela; outros tentaram elucida-la à exaustão. Das discussões promovidas sobre a verdade fizeram dela um poliedro espelhado no qual cada lado reflete uma ideia ou conceito diferente em relação a ela. Isso significa que, embora tendo aspectos comuns no cerne [quando afirmo isso tenho em mente as premissas básicas da Verdade: ela é a adequação da coisa ao intelecto (garante o real) e é oposição à mentira (garante argumentos válidos)], aspectos específicos diferenciam as diversas formas de lidar filosoficamente com a questão. Essas parcas considerações se propõem ser uma vista rápida no lado espelhado do poliedro que reflete a convicções de Albert Camus. Os aspectos aqui considerados sobre a verdade para o franco-argelino são apenas apontamentos para posterior discussão. E, evidentemente, esse pequeno texto não esgota toda a complexidade do tema.

Antes do mais, considere-se que Camus não crê numa verdade absoluta. Tal ideia aparece na obra camusiana como parâmetro para o suicídio filosófico, isto é, negar a consciência do absurdo para abraçar ilusões que são tomadas sob os aspectos de “razões de viver” [1]. Não à toa ele estabelece: “a noção de absurdo é essencial e pode figurar como a primeira das minhas verdades” [2]. Portanto, a premissa camusiana é o absurdo, a partir dessa perspectiva é analisada toda a realidade.

A verdade camusiana está assentada no terreno do puro humano e suas experiências na vida, e não numa realidade transcendente fora daquilo que é do homem. Isso significa que Camus não busca a Verdade (em termos metafísicos e ontológicos), mas o que é verdadeiro; isso demonstra uma postura de quem não procura por ideias absolutas, mas por certezas que firmam seus pés no real e na consciência do absurdo. N’O Mito de Sísifo essa escolha pelas certezas se manifesta na bifurcação entre a história e o eterno; escreve o filósofo: “entre a história e o eterno, escolhi a história porque amo as certezas” [3]. Ao que parece Verdade se torna sinônimo de ‘certezas’ e ‘verdadeiro’. E quando somadas essas palavras outro sinônimo surge e, parece-me, ele determina a ideia de Verdade camusiana, a saber: certezas verdadeiras [4].

A pretensão do filósofo franco-argelino é fugir, ou ao menos evitar o máximo possível, uma verdade ontológica. Para tanto, em função do forte acento antropológico, sua ideia sobre a verdade se baseia numa espécie de ‘dever’, um tipo de imperativo categórico aos moldes de Kant, é, pois, uma verdade deontológica. Esse tipo de compreensão se desdobra em duas formas de uso – ou dever – da verdade, uma subjetiva e outra intersubjetiva. Trata-se da honestidade e da sinceridade, respectivamente.

A respeito da honestidade pode-se observar, em Camus, como o dever da verdade consigo mesmo. Baseado no reconhecimento do absurdo que está diante de si, refere-se à condição de permanecer consciente da realidade absurda e tudo o que ela comporta (consciência da finitude, infelicidade, sofrimento, etc.). O próprio filósofo deixou em seus cadernos a seguinte síntese sobre esse assunto que pode ser aplicada à honestidade:

Viva na e para a verdade. A verdade de quem somos em primeiro lugar. Renunciar a compor com os seres. A verdade do que é. Não engane a realidade. Aceite, portanto, sua originalidade e sua impotência. Viver segundo esta originalidade até esta impotência. No centro a criação com as imensas forças de ser finalmente respeitado. A mentira coloca você para dormir ou sonhar, como a ilusão. A verdade é o único poder, alegre, inesgotável. Se pudéssemos viver apenas da e para a verdade: energia jovem e imortal dentro de nós. O homem de verdade não envelhece. Mais um esforço e ele não morrerá [5].

Ser honesto é uma das qualidades do homem absurdo. Ele não quer cair no autoengano, ao contrário, seu desejo é permanecer consciente daquilo que ele é. Isso se torna interessante quando se considera que o importante é o presente como categoria do hic et nunc (aqui e agora). Desse modo, o homem absurdo é verdadeiro consigo, usando de honestidade, porque sua preocupação é, temporalmente, agora, e, espacialmente, aqui. Tal homem, “seguro de sua liberdade com prazo determinado, de sua revolta sem futuro e de sua consciência perecível, prossegue sua aventura no tempo de sua vida. Este é seu campo, lá está sua ação, que ele subtrai a todo juízo exceto o próprio. Uma vida maior não pode significar para ele uma outra vida. Seria desonesto” [6].

Por conseguinte, intersubjetivamente, tem-se a sinceridade como dever da verdade com os outros. O ser sincero é compreendido como impulsos morais do sujeito, portanto, lida com o modo de tratamento com os outros [7]. Nos romances de Camus, a sinceridade é demonstrada como a outra face da verdade do homem absurdo. O expoente desses é O estrangeiro, do qual o próprio autor dissera se tratar da loucura da sinceridade onde o personagem principal, Mersault, não quer demonstrar nada além daquilo que ele sente [8], transformando-o no modelo do homem sincero. N’A peste, Dr. Rieux é a síntese do homem absurdo em sua honestidade, por ele saber que a praga faz parte de um mundo absurdo, e sua sinceridade, por considerar que é demasiado cansativo mentir, sendo preferível o uso constante da verdade [9].

Camus não desenvolveu por completo o raciocínio sobre a sinceridade, sua pretensão era inseri-la no terceiro tríptico sobre o amor, porém, sua morte precoce privou-nos disso. Pode-se constatar tal coisa devido a uma anotação em seu cahier VIII:

O terceiro andar é o amor: o Primeiro Homem, Don Fausto. O mito de Nêmesis.

O método é a sinceridade [10].

Contudo, mesmo não desenvolvendo o tema, o filósofo deixou as bases sobre as quais haveria de fazê-lo. Grosso modo, a sinceridade se insere como um princípio de verdade a ser usada com os outros e, concomitantemente, como uma categoria importante na visão moral camusiana.

A título de considerações finais, é preciso ter em mente que Albert Camus trabalha em duas linhas, uma horizontal e outra vertical. Tais linhas apresentam em si mesmas seus limites. A vertical não atinge os céus – seu tamanho não é infinito – ela limita-se a ser da altura do homem em sua estatura ereta; em outros termos, o homem pensa verticalmente sobre aquilo que sua estatura alcança. Horizontalmente, os limites são impostos pelos mesmos motivos, o ser humano não atinge, em seu horizonte, coisas que não estão ao seu alcance. Assim, a verdade camusiana tem limites humanos, não sem razão, pois, o filósofo confessa: “Quero libertar o meu universo de seus fantasmas e povoá-lo apenas com verdades de carne cuja presença não possa negar” [11].



[1] Cf. CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro, Record, 2020. p. 22-25

[2] Ibidem. p. 59

[3] Ibidem. p. 144.

[4] No restante do texto, o termo Verdade referir-se-á a esse significado.

[5] CAMUS, Albert. Carnets III: mars 1951 – decembre 1959. Paris, Editions Gallimard, 1989. p. 223.

[6] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro, Record, 2020. p. 112.

[7] Ibidem. p. 31.

[8] Cf. ALBERT CAMUS: Un Combat Contre L'Absurde. Direção: James Kent. Produção de Pascale Lamche. França. La sept art/B.B.C./Cie des phrases e balises. 1997. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Cx9hn-8zonc&t=1255s – acesso em 26 jul 2022.

[9] CAMUS, Albert. A peste. Rio de Janeiro, Record, 2020. p. 280.

[10] CAMUS, Albert. Carnets III: mars 1951 – decembre 1959. Paris, Editions Gallimard, 1989. P. 187.

[11] CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro, Record, 2020. p. 166-167

sexta-feira, 15 de julho de 2022

BARBÁRIE DO ESCLARECIMENTO E VENDA DA CULTURA: UM OLHAR A ANALÍTICO A PARTIR DE ADORNO E HOKHEIMER

 


Pedro Henrique M. F. Silva

Introdução

A teoria crítica revela e expressa a profunda crise teórica do séc. XX, refletindo sobre seus problemas com muita radicalidade, sem precedentes. Vinculam-se ao marxismo não só do ponto de vista econômico, mas, especialmente científico, isto é, a partir da cosmovisão e do método de trabalho e análise. A crítica feita pelos frankfurtianos é uma “teoria social do conhecimento”. É interessante notar que, devido a vastidão de perspectivas sobre as quais os teóricos de Frankfurt se debruçam, é difícil classificar essa escola do ponto de vista convencional. O ponto de partida dos pensadores, em especial, Adorno e Hockheimer, é a lógica de que tudo se torna consumível: teorias, bens culturais, pessoas; haja vista que sua postura se funda muito mais em uma análise crítica da sociedade com seus problemas naquele contexto.

Entretanto, é possível perceber que um dos temas que mais povoam o labor intelectual dos frankfurtianos é a questão da arte e toda sua relação política e social, bem como a dimensão cientifica e sua instrumentalização. A cultura de massas não seria nem uma cultura enquanto tal e nem produzida: é apenas uma oferta de fácil captação e aceitação, seu “benefício” é a eliminação de toda e qualquer complexidade que peça esforço intelectivo e reflexivo. A arte seria, portanto, o veículo de aproximação mais efetivo entre as massas e a classe dominante, o status quo que movimenta e aliena a sociedade. Vale a pena ressaltar que, os grandes nomes desta escola são: Walter Benjamim, Theodor Adorno, Max Hockheimer, Hebert Macuse, Erick Froom e mais recentemente, apontado com um herdeiro destes últimos, Jurgen Habermas.

A escola de Frankfurt: Contexto Histórico.

A Escola de Frankfurt surgiu a partir do Instituto para pesquisa social, fundado na cidade alemã acima citada, em 1923. Teve por primeiro diretor Carl Grünberg que orienta e impulsiona o desenvolvimento de pesquisas e estudos acerca do socialismo, dos movimentos operários e da história econômica, já que havia uma forte abertura da população da cidade citada, para as teorias comunistas e socialistas.

A partir de 1931, Max Horkheimer assume a direção institucional e passa, paulatinamente, a modificar o campo de estudos para dimensões mais ligadas a atualidade, o que permite a entrada de novos e importantes membros como: Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Erich Fromm, formando assim o núcleo primeiro desta escola. Esses pensadores têm por objetivo oferecerem uma crítica social da modernidade, com especial ênfase na questão da cultura, apoiados teoricamente em Marx, Nietzsche e Freud, autores extremamente responsáveis pela mudança de paradigma na forma de visão de homem, da sociedade, da política e economia de então.

Entre Esclarecimento e Barbárie: a crítica presente na dialética do esclarecimento.

Os intelectuais de Frankfurt, a partir da teoria crítica, se propõe a oferecer uma análise ampla da sociedade, a partir da unidade entre as diversas análises dos estudiosos em suas mais diversas áreas, como se afirma que:

os frankfurtianos trataram de um leque de assuntos que compreendia desde os processos civilizadores modernos e o destino do ser humano na era da técnica até a política, a arte, a música, a literatura e a vida cotidiana. Dentro desses temas e de forma original é que vieram a descobrir a crescente importância dos fenômenos de mídia e da cultura de mercado na formação do modo de vida contemporâneo [1].

É a partir desses estudos que dois dos mais célebres estudiosos da escola vão propor a análise crítica do chamado “Esclarecimento”, proposto pelos pensadores Iluministas.  Ela se encontra no livro “Dialética do esclarecimento ou das Luzes” produzido por Adorno e Horkheimer, lançado em 1944 e produzido dentro do contexto da 2° guerra mundial.  

Nesse livro os autores se propõem a analisar o porquê cadê vez mais a humanidade está envolta na barbárie ao invés de realizar sociedade mais humana, de maneira plena. Para uma melhor compreensão disso, é necessário esclarecer o que se compreende por esclarecimento.

 A mais famosa definição sobre esse tema se deve a Kant que, caracteriza esse momento como uma emancipação humana, isto é, a saída do homem do estágio de submissão a outros detentores de poderes e manipuladores do pensamento, para uma dimensão de maioridade, onde o homem usa da sua própria razão sem precisar de outro que o oriente.

Por isso, há a grande troca de paradigmas entre o elemento mítico/Religioso para a dimensão científica. Neste sentido, é também importante perceber a ideia que perpassa todo esse movimento: Do progresso da razão. Seria ele, a coluna basilar para o bom êxito da proposta Iluminista.

Entretanto, observam os pensadores Frankfurtianos, a medida em que o tão difundido “esclarecimento” avança, ainda perduram as tragédias, barbáries e catástrofes. Quanto mais desenvolvimentos nessa linha, mais formas de submissão surgem em distintas modalidades e formas, como é dito abaixo:

Desde que o Aufklärung existe no sentido mais amplo, o de um pensamento em ação, ele procura libertar os homens do medo e fazer deles seus senhores. Mas a terra que passou dominada completamente pelo Aufklärung brilha sob o signo da catástrofe completa [2].

Desse primado da razão e da ciência é que vão se desenrolar os processos de ampliação da técnica, o desenvolvimento de uma visão de mundo muito centrada no cálculo e na classificação, na qual a natureza e os próprios homens são percebidos do ponto de vista da manipulação e experimentação.

A Indústria Cultural: A arte consumível

Com o avanço da industrialização, tal percepção se torna ainda mais forte e expressiva. Logo, é a partir dessas análises e constatações que os Filósofos Adorno e Horkheimer elaboram um conceito célebre e importante para a escola de Frankfurt, que diz respeitoà chamada Indústria cultural, isto é, um convite a olhar a questão técnica em paralelo com a arte. Essa primeira não é algo imutável, mas, histórico e, portanto, construído ao longo do tempo.

A partir foi dito, é passível de mudança de acordo com o sistema social, especialmente dentro do padrão racional em que se encontra dominada a sociedade. Assim, a arte passa a ser sacrificada em favor dessa tecnificação social vigente e que acontece pelo fato de favorecer a uma classe dominante.

 Logo, pela técnica, a arte se torna objeto de exploração comercial, simples negócios. É necessário clarificar que a “Indústria cultural” pensada por adorno, não se liga ao termo das “culturas de massa”, pois este, ao usar o termo ‘cultura’ parece querer afirmar uma certa origem espontânea na massificação dos bens culturais. Numa perspectiva de uma “antropologia do consumo”, a indústria cultural não só visa ‘adaptar’ os consumidores ao consumo, mas, estabelece-o.

Dessa maneira, a visão de homem cai na linha de mero interesse consumista e a humanidade é reduzida a sua obediente seguidora. Ao se aliar com a ideologia dominante a indústria cultural cria uma falsa relação dos homens entre si e com a natureza, gerando o efeito contrário àquilo que propunha o iluminismo; é uma razão que se deixa instrumentalizar. Se o iluminismo se propusera a libertar o homem do poder dominante do mito, agora, este, se deixa absorver pela dominação técnica.

A partir dessa mudança tão forte, a própria subjetividade é atingida e colocada dentro desses padrões de consumismo. Observa Adorno, que essa dominação tem principalmente a capacidade de conter a formulação de um pensamento autônomo e independente nas massas; ele observa isso a partir da própria dimensão do descanso e lazer. Não são mais determinados em função de algo natural, inerente ao ser humano, mas, em ligação ao trabalho, ou seja, o homem se ausenta do labor mecanizado para repor forças e ter disposição na sua continuidade.

Um outro ponto no qual essa exploração cultural penetra é a determinação do que se usar e consumir no tempo livre. O ser humano não usa mais este para pensar, desenvolver e maturar uma consciência, mas, para viver uma espécie de anestesiamento social e projeção ideal, onde a vida parece imitar o que se passa nas telas de cinema ou em outros mecanismos do tipo e não o contrário.

Para melhor fundamentar essas perspectivas os teóricos tomam por ponto focal de análise a música: ela cai na cilada da padronização. Isto é, para que seja vendida com mais intensidade se faz preciso um padrão que já seja familiar e garanta a esta o sucesso do consumo, cuja oferta e interpretação sejam mínimas e não produzam agitações de pensamento e reflexão. Logo, as artes sucumbiram a essa armadilha montada pela sociedade de compra e venda

Ao mesmo tempo, essa indústria vai conduzindo o homem a um permanente desejo que se configura na aceitação do que lhe é oferecido; é ela quem cria as necessidades, determina até que prazos tal coisa tem sua valia, e a ideia de progresso acaba sendo entendida como a satisfação desse desejo de posse incutido nas pessoas. Nesse sentido, o consumismo ofertado pela indústria cultural é uma regressão: Induz o ser humano a uma espécie de estado de barbárie, ausente da ótica de educação, onde o homem reflete, pensa e analisa: a si mesmo, o meio e o universo.

Considerações finais

Portanto, para Adorno e Horkheimer a solução está no desenvolvimento de um olhar crítico da sociedade em que se insere, como fator para um desenvolvimento mais humano, ético e menos centrado no consumo. Analisar, estudar e ler os acontecimentos da sociedade podem ser chaves importantes para a superação das distorções vindas da mentalidade de consumo.

Nesse sentido, as teorias da escola de Frankfurt são de grande lucidez para uma leitura necessária da sociedade atual. Embora tenham sido formuladas no início do desenvolvimento tecnológico, elas falam muito apropriadamente ao momento em que nós estamos e que demanda, mais do que nunca, uma criticidade ainda mais aguçada e inquieta.



[1] MONGENDORFF, Janine Regina. A Escola de Frankfurt e seu legado. Porto Alegre: Verso e Reverso, XXVI(63):152-159, setembro-dezembro 2012.

[2] Wiggershaus apud. MONGENDORFF, Janine Regina. A Escola de Frankfurt e seu legado. Porto Alegre: Verso e Reverso, XXVI(63):152-159, setembro-dezembro 2012. p. 358

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